Bolsista kempi de 2022 : Gabriel Yuji Nakashima
1:00 PM
A província de Okinawa oferece bolsas para descendentes de okinawana e jovens de países asiáticos. O bolsista poderá estudar em universidades, ou especializar-se em escola de Artes Tradicionais ou obter experiência profissional em empresas de Okinawa. Desse modo, o bolsista poderá aprofundar seus conhecimentos sobre a história, cultura e costumes de Okinawa, bem como adquirir experiência de trabalho e fortalecer os laços de amizade com os okinawanos. Espera-se que no futuro, o bolsita contribua com a herança da Rede Mundial Uchina pelas próximas gerações e que sirva de ponte entre Okinawa e seu respectivo país natal.
Entrevistamos Gabriel Yuji Nakashima, um bolsista de 2022.
Segue abaixo o relato da Yuji.
1.País de origem.
Brasil. Nasci e vivo na capital do Estado do Paraná, Curitiba.
2.Ocupação no seu país.
Tenho formação em Arquitetura e Urbanismo, mas tenho me aproximado da área de pesquisa.
3.Origin de seus Ancestors (uyafafuji)
Minha família paterna, de onde vem meu sobrenome Nakashima, é de Saga-ken. Já minha família materna, uchinānchu, é Kuniyoshi, originária de Ginoza-son, da região de Sokei. Infelizmente não tenho muito contato com o Ginoza Sonjinkai, mas fui presencialmente a um evento lá da região durante o Uchinānchu Taikai. Eu era o único brasileiro presente, mas houve uma chamada online com diversos Ginoza Sonjinkais do mundo, inclusive do Brasil, e foi aí que fiquei sabendo de amigos e conhecidos que também são Ginozanchus, especialmente um pessoal de Campinas! Aliás, depois soube que meu avô já chegou a visitar a Associação.
Foi um encontro muito feliz!
4.O que você ta fazendo atualmente ou que pretende fazer durante sua bolsa em Okinawa?
Onze anos atrás, em 2011, vim à Okinawa pela primeira vez, participando do Junior Study Tour (JST, atual UJS - Uchinaa Junior Study). Foi uma ótima experiência, fiz muitos amigos, mas tinha dezessete anos e fiquei pouco tempo, cerca de três semanas por aqui, na casa de um parente. Portanto acho que era muito novo para entender e aprender com as diferenças culturais e não era tão independente para buscar por conta própria meus interesses vivendo em Okinawa.
Mas acho que faz parte do escopo do programa. É para termos um primeiro contato com nossa terra de origem e saber que existem pessoas pelo mundo todo que compartilham desta nossa identidade.
Agora, na minha segunda vez por aqui, tenho mais clareza do que quero. Por um lado, um dos meus objetivos é a língua. Melhorar meu nihongo, a língua japonesa que costuma distanciar nós nipo-descendentes do Japão e de Okinawa.
Por isso, desta vez estou vivendo em Ginowan-shi, estudando na Okikoku (Universidade Internacional de Okinawa). Também tenho interesse no uchināguchi, mas acabo deixando em segundo plano, pois é pouco usado até mesmo aqui em Okinawa. É uma pena, tratando-se de uma língua que consta desde 2009 no Atlas de Línguas em perigo de extinção, criado pela UNESCO. Além das disciplinas de japonês, também tenho frequentado as aulas de Arte de Okinawa como ouvinte, lém de eventualmente alguns sākuru, que são grupos de alunos focados em alguma atividade. Participei de um que os estudantes fazem trilha por montanhas uma vez ao mês e estou começando a participar de outro focado na prática do Ryukyu Buyo.
Por outro lado, vim porque queria sentir como é a vida em Okinawa, confirmar (ou não) tudo aquilo que escutamos desde criança dentro das associações: sobre o uchinānchu ter um jeito mais tranquilo de viver e ser menos sério que o japonês; se de fato come goya, nabera e sooki sobá; ver se existe shisá, ishigantoo e deigo pelas ruas; se usa palavras do uchināguchi como “haisai”, “choodee”, “akisamiyoo”... Enfim, algumas coisas pude confimar, outras não. Porém, precisava vir para ver, ouvir e sentir por mim mesmo o cotidiano okinawano.
5.Palavras que mais gosta de Okinawa (Utinaguti).
Como alguém que cresceu tocando Eisaa no Ryukyu Koku Matsuri Daiko, acho que o que mais gosto de dizer é “Hiyasasaa! Haiyaa! Nattichee! Haiyaa!”. E como gachimayaa, kwacchii sabira é uma palavra muito útil! Hahaha
6.Você já participou de um Festival Mundial Uchinanchu?
Eu me inscrevi para esta bolsa Kenpi em 2020 e, por conta da pandemia, tive que esperar dois anos e meio para poder vir, me inscrevendo a cada ano. Cheguei no meio de setembro deste ano e fico até a metade de março de 2023. Nunca tinha participado de um Taikai e não imagina que poderia participar durante a bolsa Kenpi, então compensou um pouco dessa longa espera para poder vir.
7.Quais são as suas impressões sobre o 7º Festival Mundial Uchinanchu deste ano?
Como foi minha primeira vez, não tenho parâmetros de comparação, mas gostei demais. Foi durante a passagem de outubro para novembro, uma época bem corrida, cheia de eventos por Okinawa que aproveitam o restinho de verão.
Nós bolsistas Kenpi já tivemos atividades logo antes do 7º Sekai Uchinānchu Taikai começar, pois entre quinta-feira (27/10) e sábado (29/10), aconteceu o Sekai Wakamono Uchinānchu Taikai, Festival Mundial dos Jovens Uchinānchus.
O domingo foi especial. Era dia 30 de outubro, Dia Mundial do Uchinānchu.
Enquanto no Brasil era véspera do segundo turno das eleições, nós já começávamos as comemorações do 7º Festival Mundial Uchinānchu com o tradicional Desfile pela Kokusai Doori, que marca o início do Taikai. Lá encontrei amigos e conhecidos, e comecei a sentir o clima de euforia e início de festa, enquanto cruzávamos a avenida no ritmo do samba de um grupo okinawano.
Lembro de me sentir muito brasileiro. Não estava votando em meu país, contudo pude representar o Brasil na terra dos meus ancestrais, junto de muitos que compartilham da mesma história, de uma mesma identidade. Foi incrível.
No dia seguinte, segunda-feira 31, infelizmente choveu e ventou forte, então a Cerimônia de Abertura oficial foi cancelada para o grande público, sendo realizada uma menor, exclusiva para convidados. Não pude ir, mas foi bom que eu e vários de nós bolsistas pudemos nos juntar no Okinawa International Centre (JICA Okinawa) para assistir a transmissão online da cerimônia. Mesmo com esse imprevistos, foi muito divertido poder estar junto de outros uchinānchus celebrando.
Na terça-feira (01/11) tivemos uma reunião com diversas lideranças para discutir sobre o Dia do Uchinānchu, e quarta-feira (02/11) houveram os eventos dos Shi-Cho-Son, que reunem os uchinānchus e shimanchus originários de cada uma das regiões. Nesse dia que pude conhecer mais de Ginoza-son, terra da minha família Kuniyoshi, como comentei anteriormente.
Na quinta-feira, dia 03/11, aconteceu a Cerimônia de Encerramento do 7º Sekai Uchinānchu Taikai. Mais uma vez, foi emocionante. Para compensar a Cerimônia de Abertura que acabou não acontecendo como esperado e os outros dias de tempo nublado, desta vez o tempo contribuiu e pudemos prestigiar o Encerramento enquanto o céu ia do azul ao alaranjado, até escurecer. Vi a banda Diamantes pela primeira vez, conheci o rock do Murasaki e chorei cantando com Begin. Também teve apresentações de Eisaa com o Ryukyu Koku Matsuri Daiko e com o Kajimayaa (grupo de eisaa tradicional, da Okikoku, onde estou estudando).
Como de costume nos festivais daqui, terminou com lindos fogos de artifício, hanabi.
Depois lotamos um izakaya para encerrar a noite e iniciar as despedidas.
O Festival Mundial do Uchinānchu é muito grande e diversas atividades são feitas simultaneamente, então é difícil conseguir participar de tudo. Talvez seja necessário vir outras vezes, haha. Mas fiquei muito satisfeito com meu primeiro Taikai. É um prazer enorme poder celebrar nossa cultura de origem na terra dos nossos ancestrais, principalmente em coletivo, junto de todas e todos que guardam um carinho por Okinawa.
8.Como e sua vida em Okinawa atualmente,ta feliz?
Não tenho o que reclamar, tem sido boa. Minha felicidade não depende só de estar em Okinawa, mas com certeza estar aqui ajuda, ainda mais como bolsista.
Como passei dois anos e meio esperando para vir por conta da pandemia de Coronavírus, minha intenção de vir para cá foi mudando desde minha primeira inscrição em 2020.
No começo deste ano, quando devia me inscrever, já estava na dúvida se realmente deveria vir. Dois anos e meio de pandemia, que ainda segue, te fazem refletir. Por um lado, tinha minha vaga garantida pelo Okinawa Kenjinkai do Brasil.
Por outro lado, bater na mesma tecla durante todo esse tempo, numa idade (antes 26, agora 28) que parece tão definidora de qual rumo você vai tomar na vida, ainda sem uma profissão bem estabelecida, soava como um erro. Mas não me arrependo.
Fazer intercâmbio é uma experiência maravilhosa. Você viaja e conhece muita coisa, tem novas experiências. Eu mesmo já tinha feito dois intercâmbios: em 2011 quando vim à Okinawa por 3 semanas pela primeira vez, no JST; e em 2015, quando vivi um semestre em Sucre, antiga capital histórica da Bolívia através do programa MARCA, como estudante de Arquitetura e Urbanismo. Foram momentos ótimos da minha vida, jamais vou esquecer.
Contudo, acho que são experiências tão novas quanto são, muitas vezes, superficiais. Penso isso porque estar de repente inserido num novo contexto social, com muita gente que você não conhece, falando uma língua geralmente estrangeira, acaba limitando o quão profundo conseguimos mergulhar no local de destino. É interessante para termos “primeiras vezes”, contatos iniciais. Porém, com a rotina do dia-a-dia, o brilho das novidades vai se perdendo. No caso daqui, no começo é legal entrar nas konbini (lojas de conveniência), comprar bugigangas e comer comidas japonesas e okinawanas, andar de Yuirail (o monotrilho de Okinawa), conhecer pontos turístiscos e outros lugares. Mas passado um tempo, acho que a alma pede algo mais. Pelo menos para mim, pediu.
Por isso, acho que para nós que temos a oportunidade de retornar ao nosso lugar de origem através destas bolsas de Okinawa, a possibilidade de nos reconectarmos com nossas famílias e descobrirmos o que foi perdido durante a imigração é o principal. Onze anos atrás fiquei hospedado na casa de meus parentes distantes Kiyoshi e Kayo Yara. Reencontrei eles desta vez e me deixaram um livro escrito pelo meu avô, Shinichi Kuniyoshi, todo em japonês. Nunca tinha visto esse livro. Apesar de ter convivido bastante tempo com meu ojii, poucas vezes conversamos. Ele, falecido dois anos atrás, era uma pessoa no geral séria e eu muitas vezes não entendia seu português de imigrante. Talvez por isso não cheguei a fazer tantas perguntas. Não lembro de termos conversado sobre imigração, sobre a guerra, sobre sua outra vida ainda em Uchiná e Ginoza, antes de ir ao Brasil e se naturalizar brasileiro.
Agora, lendo alguns pedaços do livro, tenho entendido mais da história da minha família. Meu avô conta não apenas sobre guerra e imigração, mas também de sua difícil relação com sua mãe, minha Bisavó Katsu (chamada na família de Obá). Aliás, apesar de ser Kuniyoshi, abre o livro falando da família materna Kanna, com quem de fato cresceu. Comenta, por exemplo, do seu avô Anki, que não frequentou a escola para não cortar o kanpū, coque de tradição samurai da família.
Também conta que era um ótimo aluno na escola, chegando a ganhar prêmios.
São esses conhecimentos sobre minha família que acho que tem me trazido mais clareza de quem sou e de que história eu pertenço. É o que mais tem me alimentado a alma para além das novidades da experiência de intercâmbio. Sou grato por poder resgatar um pouco da história das famílias Kuniyoshi e Kanna.
9.O que você vai fazer para fortalecer à rede Uchina quando voltar para Brasil?
Pretendo incentivar mais pessoas de Curitiba a buscarem saber sobre suas origens. Penso que, como descendentes de imigrantes que cruzarem o planeta, entender nossa história família, quando possível, é importante. Acho que como nossa comunidade okinawana curitibana é relativamente pequena, é quase que
natural que fique cada vez mais difícil de mantê-la viva e de fortalecermos a conexão com nosso passado. A vida é complicada e acho que muitas vezes acabamos não tendo tempo para olhar para trás. Além de vontade, é preciso haver muito incentivo e boas condições para se permitir buscar as origens.
Também quero transmitir minhas experiências nos intercâmbios e no contato com outros uchinānchus, para mostrar como é grande essa nossa rede okinawana.
Eu, tendo crescido próximo da Associação Okinawa Kenji de Curitiba e da Filial Curitiba do Ryukyu Koku Matsuri Daiko, percebo que acabamos criando um universo próprio para cada grupo em que convivemos, cada um com sua própria rotina, costumes e eventos, sua própria “Okinawa”. Sem percebermos, criamos uma narrativa, um discurso, passado entre as gerações de membros e que vai se perpetuando às vezes sem haver muita troca com o exterior dos grupos, sem conhecer outras “Okinawas”. Portanto, gostaria de que mais pessoas pudessem navegar a outros mares, colocando em prática o “Bankoku Shinryō” e o “Chanpurū” da história ryukyuana de que tanto referenciamos.
10.Quais são as semelhanças entre seu país e Okinawa que eu não conhecia antes.
Vish, pergunta difícil, hahaha. Tive que dar uma pensada. A gente acaba vendo mais as diferenças, mas existem algumas similaridades. Algo simples que percebi, foi na frente da universidade. Nas entradas das universidades e colégios de Curitiba, é comum vermos pessoas vendendo comidas, geralmente barraquinhas de cachorro-quente ou pipoca. Aqui na Okikoku, apesar de não se ver as pessoas comendo na rua, sempre tem barracas de venda de bentô, tanto na frente como dentro da universidade durante o horário do almoço. Muito gostosos, por sinal!
Além disso, existem as semelhanças daquilo que também encontramos dentro da comunidade nikkei e okinawana no Brasil. Os matsuris, por exemplo, achei que são parecidos com os de Curitiba, pois existe uma disposição das barracas, um espaço para sentar e comer, o palco, mas as comidas e produtos são um pouco diferentes. Também tem a forma como ojīs e obās se vestem e se sentam separados, que me lembra as nossas associações. Um bom costume que também se vê é a forma como todos ajudam a organizar e limpar nas festas, em coletivo.
11.O que o surpreendeu quando você veio a Okinawa (de uma boa maneira).
Um ponto que me causou surpresa, eu soube conversando com os okinawanos. Diversas vezes ouvi que Okinawa é uma “Kuruma no Shakai” (Sociedade do Carro), porque é necessário usar carro para ir a diversos lugares.
Nós bolsistas utilizamos bastante os ônibus e o Yuirail (monotrilho) daqui, então é algo que acabamos percebendo. O transporte público é pago por distância e diversas linhas passam em horas bem marcadas, é necessário sempre verificar seus cronogramas. Os shoppings frequentemente possuem 3 pisos de garagem e 2 de lojas. Aqui perto da Okikoku, além de um grande estacionamento dentro do campus, encontram-se diversos outros menores espalhados pela vizinhança. No entanto, o transporte funciona muito bem. O ônibus às vezes atrasa, mas seu sistema é bom. Paga-se com moedas colocando numa máquina que as conta; o motorista espera com calma todos se sentarem para partir; existe ar-condicionado dentro deles.
Outra coisa que me surpreendeu foi ver palavras e sobrenomes okinawanos nomeando restaurantes, lojas, praças e outros espaços das cidades. Tem um izakaya perto de casa que se chama “Gusuku Daidokoro” (Cozinha do Gusuku). Ainda não provei, quero ir.
Também existe um parque muito bonito daqui de Ginowan chamado Kakazu Takadai (Colina Kakazu), numa região de mesmo nome. Uma das vezes que visitei foi por excursão de uma aula, junto do Smilife, da Okikoku, um grupo de estudantes que se voluntariam como guias por locais de Okinawa objetivando conscientizar sobre a busca pela paz. Lá, explicaram que a região de Kakazu e a colina onde se situa o parque foram locais de intenso conflito. Lembro que foi comentado que enquanto que em toda Okinawa, aproximadamente 1 de cada 4 pessoas faleceu na guerra, em Kakazu a proporção era 1 em cada 2. É um lindo parque com um mirante no formato de um planeta, mas que guarda uma história bastante trágica.
Enfim, vejo muitos lugares com nomes e palavras que reconheço. Ainda que o uchināguchi esteja caindo em desuso, é legal ver que ele está gravado nos nomes de diversos espaços daqui.
Entrevistamos Gabriel Yuji Nakashima, um bolsista de 2022.
Segue abaixo o relato da Yuji.
1.País de origem.
Brasil. Nasci e vivo na capital do Estado do Paraná, Curitiba.
2.Ocupação no seu país.
Tenho formação em Arquitetura e Urbanismo, mas tenho me aproximado da área de pesquisa.
3.Origin de seus Ancestors (uyafafuji)
Minha família paterna, de onde vem meu sobrenome Nakashima, é de Saga-ken. Já minha família materna, uchinānchu, é Kuniyoshi, originária de Ginoza-son, da região de Sokei. Infelizmente não tenho muito contato com o Ginoza Sonjinkai, mas fui presencialmente a um evento lá da região durante o Uchinānchu Taikai. Eu era o único brasileiro presente, mas houve uma chamada online com diversos Ginoza Sonjinkais do mundo, inclusive do Brasil, e foi aí que fiquei sabendo de amigos e conhecidos que também são Ginozanchus, especialmente um pessoal de Campinas! Aliás, depois soube que meu avô já chegou a visitar a Associação.
Foi um encontro muito feliz!
4.O que você ta fazendo atualmente ou que pretende fazer durante sua bolsa em Okinawa?
Onze anos atrás, em 2011, vim à Okinawa pela primeira vez, participando do Junior Study Tour (JST, atual UJS - Uchinaa Junior Study). Foi uma ótima experiência, fiz muitos amigos, mas tinha dezessete anos e fiquei pouco tempo, cerca de três semanas por aqui, na casa de um parente. Portanto acho que era muito novo para entender e aprender com as diferenças culturais e não era tão independente para buscar por conta própria meus interesses vivendo em Okinawa.
Mas acho que faz parte do escopo do programa. É para termos um primeiro contato com nossa terra de origem e saber que existem pessoas pelo mundo todo que compartilham desta nossa identidade.
Agora, na minha segunda vez por aqui, tenho mais clareza do que quero. Por um lado, um dos meus objetivos é a língua. Melhorar meu nihongo, a língua japonesa que costuma distanciar nós nipo-descendentes do Japão e de Okinawa.
Por isso, desta vez estou vivendo em Ginowan-shi, estudando na Okikoku (Universidade Internacional de Okinawa). Também tenho interesse no uchināguchi, mas acabo deixando em segundo plano, pois é pouco usado até mesmo aqui em Okinawa. É uma pena, tratando-se de uma língua que consta desde 2009 no Atlas de Línguas em perigo de extinção, criado pela UNESCO. Além das disciplinas de japonês, também tenho frequentado as aulas de Arte de Okinawa como ouvinte, lém de eventualmente alguns sākuru, que são grupos de alunos focados em alguma atividade. Participei de um que os estudantes fazem trilha por montanhas uma vez ao mês e estou começando a participar de outro focado na prática do Ryukyu Buyo.
Por outro lado, vim porque queria sentir como é a vida em Okinawa, confirmar (ou não) tudo aquilo que escutamos desde criança dentro das associações: sobre o uchinānchu ter um jeito mais tranquilo de viver e ser menos sério que o japonês; se de fato come goya, nabera e sooki sobá; ver se existe shisá, ishigantoo e deigo pelas ruas; se usa palavras do uchināguchi como “haisai”, “choodee”, “akisamiyoo”... Enfim, algumas coisas pude confimar, outras não. Porém, precisava vir para ver, ouvir e sentir por mim mesmo o cotidiano okinawano.
5.Palavras que mais gosta de Okinawa (Utinaguti).
Como alguém que cresceu tocando Eisaa no Ryukyu Koku Matsuri Daiko, acho que o que mais gosto de dizer é “Hiyasasaa! Haiyaa! Nattichee! Haiyaa!”. E como gachimayaa, kwacchii sabira é uma palavra muito útil! Hahaha
6.Você já participou de um Festival Mundial Uchinanchu?
Eu me inscrevi para esta bolsa Kenpi em 2020 e, por conta da pandemia, tive que esperar dois anos e meio para poder vir, me inscrevendo a cada ano. Cheguei no meio de setembro deste ano e fico até a metade de março de 2023. Nunca tinha participado de um Taikai e não imagina que poderia participar durante a bolsa Kenpi, então compensou um pouco dessa longa espera para poder vir.
7.Quais são as suas impressões sobre o 7º Festival Mundial Uchinanchu deste ano?
Como foi minha primeira vez, não tenho parâmetros de comparação, mas gostei demais. Foi durante a passagem de outubro para novembro, uma época bem corrida, cheia de eventos por Okinawa que aproveitam o restinho de verão.
Nós bolsistas Kenpi já tivemos atividades logo antes do 7º Sekai Uchinānchu Taikai começar, pois entre quinta-feira (27/10) e sábado (29/10), aconteceu o Sekai Wakamono Uchinānchu Taikai, Festival Mundial dos Jovens Uchinānchus.
O domingo foi especial. Era dia 30 de outubro, Dia Mundial do Uchinānchu.
Enquanto no Brasil era véspera do segundo turno das eleições, nós já começávamos as comemorações do 7º Festival Mundial Uchinānchu com o tradicional Desfile pela Kokusai Doori, que marca o início do Taikai. Lá encontrei amigos e conhecidos, e comecei a sentir o clima de euforia e início de festa, enquanto cruzávamos a avenida no ritmo do samba de um grupo okinawano.
Lembro de me sentir muito brasileiro. Não estava votando em meu país, contudo pude representar o Brasil na terra dos meus ancestrais, junto de muitos que compartilham da mesma história, de uma mesma identidade. Foi incrível.
No dia seguinte, segunda-feira 31, infelizmente choveu e ventou forte, então a Cerimônia de Abertura oficial foi cancelada para o grande público, sendo realizada uma menor, exclusiva para convidados. Não pude ir, mas foi bom que eu e vários de nós bolsistas pudemos nos juntar no Okinawa International Centre (JICA Okinawa) para assistir a transmissão online da cerimônia. Mesmo com esse imprevistos, foi muito divertido poder estar junto de outros uchinānchus celebrando.
Na terça-feira (01/11) tivemos uma reunião com diversas lideranças para discutir sobre o Dia do Uchinānchu, e quarta-feira (02/11) houveram os eventos dos Shi-Cho-Son, que reunem os uchinānchus e shimanchus originários de cada uma das regiões. Nesse dia que pude conhecer mais de Ginoza-son, terra da minha família Kuniyoshi, como comentei anteriormente.
Na quinta-feira, dia 03/11, aconteceu a Cerimônia de Encerramento do 7º Sekai Uchinānchu Taikai. Mais uma vez, foi emocionante. Para compensar a Cerimônia de Abertura que acabou não acontecendo como esperado e os outros dias de tempo nublado, desta vez o tempo contribuiu e pudemos prestigiar o Encerramento enquanto o céu ia do azul ao alaranjado, até escurecer. Vi a banda Diamantes pela primeira vez, conheci o rock do Murasaki e chorei cantando com Begin. Também teve apresentações de Eisaa com o Ryukyu Koku Matsuri Daiko e com o Kajimayaa (grupo de eisaa tradicional, da Okikoku, onde estou estudando).
Como de costume nos festivais daqui, terminou com lindos fogos de artifício, hanabi.
Depois lotamos um izakaya para encerrar a noite e iniciar as despedidas.
O Festival Mundial do Uchinānchu é muito grande e diversas atividades são feitas simultaneamente, então é difícil conseguir participar de tudo. Talvez seja necessário vir outras vezes, haha. Mas fiquei muito satisfeito com meu primeiro Taikai. É um prazer enorme poder celebrar nossa cultura de origem na terra dos nossos ancestrais, principalmente em coletivo, junto de todas e todos que guardam um carinho por Okinawa.
8.Como e sua vida em Okinawa atualmente,ta feliz?
Não tenho o que reclamar, tem sido boa. Minha felicidade não depende só de estar em Okinawa, mas com certeza estar aqui ajuda, ainda mais como bolsista.
Como passei dois anos e meio esperando para vir por conta da pandemia de Coronavírus, minha intenção de vir para cá foi mudando desde minha primeira inscrição em 2020.
No começo deste ano, quando devia me inscrever, já estava na dúvida se realmente deveria vir. Dois anos e meio de pandemia, que ainda segue, te fazem refletir. Por um lado, tinha minha vaga garantida pelo Okinawa Kenjinkai do Brasil.
Por outro lado, bater na mesma tecla durante todo esse tempo, numa idade (antes 26, agora 28) que parece tão definidora de qual rumo você vai tomar na vida, ainda sem uma profissão bem estabelecida, soava como um erro. Mas não me arrependo.
Fazer intercâmbio é uma experiência maravilhosa. Você viaja e conhece muita coisa, tem novas experiências. Eu mesmo já tinha feito dois intercâmbios: em 2011 quando vim à Okinawa por 3 semanas pela primeira vez, no JST; e em 2015, quando vivi um semestre em Sucre, antiga capital histórica da Bolívia através do programa MARCA, como estudante de Arquitetura e Urbanismo. Foram momentos ótimos da minha vida, jamais vou esquecer.
Contudo, acho que são experiências tão novas quanto são, muitas vezes, superficiais. Penso isso porque estar de repente inserido num novo contexto social, com muita gente que você não conhece, falando uma língua geralmente estrangeira, acaba limitando o quão profundo conseguimos mergulhar no local de destino. É interessante para termos “primeiras vezes”, contatos iniciais. Porém, com a rotina do dia-a-dia, o brilho das novidades vai se perdendo. No caso daqui, no começo é legal entrar nas konbini (lojas de conveniência), comprar bugigangas e comer comidas japonesas e okinawanas, andar de Yuirail (o monotrilho de Okinawa), conhecer pontos turístiscos e outros lugares. Mas passado um tempo, acho que a alma pede algo mais. Pelo menos para mim, pediu.
Por isso, acho que para nós que temos a oportunidade de retornar ao nosso lugar de origem através destas bolsas de Okinawa, a possibilidade de nos reconectarmos com nossas famílias e descobrirmos o que foi perdido durante a imigração é o principal. Onze anos atrás fiquei hospedado na casa de meus parentes distantes Kiyoshi e Kayo Yara. Reencontrei eles desta vez e me deixaram um livro escrito pelo meu avô, Shinichi Kuniyoshi, todo em japonês. Nunca tinha visto esse livro. Apesar de ter convivido bastante tempo com meu ojii, poucas vezes conversamos. Ele, falecido dois anos atrás, era uma pessoa no geral séria e eu muitas vezes não entendia seu português de imigrante. Talvez por isso não cheguei a fazer tantas perguntas. Não lembro de termos conversado sobre imigração, sobre a guerra, sobre sua outra vida ainda em Uchiná e Ginoza, antes de ir ao Brasil e se naturalizar brasileiro.
Agora, lendo alguns pedaços do livro, tenho entendido mais da história da minha família. Meu avô conta não apenas sobre guerra e imigração, mas também de sua difícil relação com sua mãe, minha Bisavó Katsu (chamada na família de Obá). Aliás, apesar de ser Kuniyoshi, abre o livro falando da família materna Kanna, com quem de fato cresceu. Comenta, por exemplo, do seu avô Anki, que não frequentou a escola para não cortar o kanpū, coque de tradição samurai da família.
Também conta que era um ótimo aluno na escola, chegando a ganhar prêmios.
São esses conhecimentos sobre minha família que acho que tem me trazido mais clareza de quem sou e de que história eu pertenço. É o que mais tem me alimentado a alma para além das novidades da experiência de intercâmbio. Sou grato por poder resgatar um pouco da história das famílias Kuniyoshi e Kanna.
9.O que você vai fazer para fortalecer à rede Uchina quando voltar para Brasil?
Pretendo incentivar mais pessoas de Curitiba a buscarem saber sobre suas origens. Penso que, como descendentes de imigrantes que cruzarem o planeta, entender nossa história família, quando possível, é importante. Acho que como nossa comunidade okinawana curitibana é relativamente pequena, é quase que
natural que fique cada vez mais difícil de mantê-la viva e de fortalecermos a conexão com nosso passado. A vida é complicada e acho que muitas vezes acabamos não tendo tempo para olhar para trás. Além de vontade, é preciso haver muito incentivo e boas condições para se permitir buscar as origens.
Também quero transmitir minhas experiências nos intercâmbios e no contato com outros uchinānchus, para mostrar como é grande essa nossa rede okinawana.
Eu, tendo crescido próximo da Associação Okinawa Kenji de Curitiba e da Filial Curitiba do Ryukyu Koku Matsuri Daiko, percebo que acabamos criando um universo próprio para cada grupo em que convivemos, cada um com sua própria rotina, costumes e eventos, sua própria “Okinawa”. Sem percebermos, criamos uma narrativa, um discurso, passado entre as gerações de membros e que vai se perpetuando às vezes sem haver muita troca com o exterior dos grupos, sem conhecer outras “Okinawas”. Portanto, gostaria de que mais pessoas pudessem navegar a outros mares, colocando em prática o “Bankoku Shinryō” e o “Chanpurū” da história ryukyuana de que tanto referenciamos.
10.Quais são as semelhanças entre seu país e Okinawa que eu não conhecia antes.
Vish, pergunta difícil, hahaha. Tive que dar uma pensada. A gente acaba vendo mais as diferenças, mas existem algumas similaridades. Algo simples que percebi, foi na frente da universidade. Nas entradas das universidades e colégios de Curitiba, é comum vermos pessoas vendendo comidas, geralmente barraquinhas de cachorro-quente ou pipoca. Aqui na Okikoku, apesar de não se ver as pessoas comendo na rua, sempre tem barracas de venda de bentô, tanto na frente como dentro da universidade durante o horário do almoço. Muito gostosos, por sinal!
Além disso, existem as semelhanças daquilo que também encontramos dentro da comunidade nikkei e okinawana no Brasil. Os matsuris, por exemplo, achei que são parecidos com os de Curitiba, pois existe uma disposição das barracas, um espaço para sentar e comer, o palco, mas as comidas e produtos são um pouco diferentes. Também tem a forma como ojīs e obās se vestem e se sentam separados, que me lembra as nossas associações. Um bom costume que também se vê é a forma como todos ajudam a organizar e limpar nas festas, em coletivo.
11.O que o surpreendeu quando você veio a Okinawa (de uma boa maneira).
Um ponto que me causou surpresa, eu soube conversando com os okinawanos. Diversas vezes ouvi que Okinawa é uma “Kuruma no Shakai” (Sociedade do Carro), porque é necessário usar carro para ir a diversos lugares.
Nós bolsistas utilizamos bastante os ônibus e o Yuirail (monotrilho) daqui, então é algo que acabamos percebendo. O transporte público é pago por distância e diversas linhas passam em horas bem marcadas, é necessário sempre verificar seus cronogramas. Os shoppings frequentemente possuem 3 pisos de garagem e 2 de lojas. Aqui perto da Okikoku, além de um grande estacionamento dentro do campus, encontram-se diversos outros menores espalhados pela vizinhança. No entanto, o transporte funciona muito bem. O ônibus às vezes atrasa, mas seu sistema é bom. Paga-se com moedas colocando numa máquina que as conta; o motorista espera com calma todos se sentarem para partir; existe ar-condicionado dentro deles.
Outra coisa que me surpreendeu foi ver palavras e sobrenomes okinawanos nomeando restaurantes, lojas, praças e outros espaços das cidades. Tem um izakaya perto de casa que se chama “Gusuku Daidokoro” (Cozinha do Gusuku). Ainda não provei, quero ir.
Também existe um parque muito bonito daqui de Ginowan chamado Kakazu Takadai (Colina Kakazu), numa região de mesmo nome. Uma das vezes que visitei foi por excursão de uma aula, junto do Smilife, da Okikoku, um grupo de estudantes que se voluntariam como guias por locais de Okinawa objetivando conscientizar sobre a busca pela paz. Lá, explicaram que a região de Kakazu e a colina onde se situa o parque foram locais de intenso conflito. Lembro que foi comentado que enquanto que em toda Okinawa, aproximadamente 1 de cada 4 pessoas faleceu na guerra, em Kakazu a proporção era 1 em cada 2. É um lindo parque com um mirante no formato de um planeta, mas que guarda uma história bastante trágica.
Enfim, vejo muitos lugares com nomes e palavras que reconheço. Ainda que o uchināguchi esteja caindo em desuso, é legal ver que ele está gravado nos nomes de diversos espaços daqui.